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[Artigo de Opinião]: A passabilidade e seus ressignificados

[Artigo de Opinião]: A passabilidade e seus ressignificados

10 de setembro de 2019 1 Por Bicha da Justiça

Por: Elisa Dietrich.

A primeira vez que ouvi o conceito de passabilidade fiquei intrigada. Bom, então eu sou vista como alguém que não sou? É curioso como a passabilidade mudou de sentido para mim ao longo dos anos.

Lá em 2014, quando eu estava passando por um processo de descoberta da minha sexualidade, o fato de eu ser uma menina, de cabelos longos e que usava maquiagem fazia com que as pessoas automaticamente me identificassem como heterossexual. No entanto, com o passar do tempo, essa passabilidade mudou de contexto e passou a me identificar para os outros como um homem. Tendo o cabelo curto e usando roupas da sessão masculina, eu sou frequentemente tratada como alguém do sexo masculino, e me desperta uma sensação curiosa.

É impressionante como nessas condições os olhares dos pedestres deixam de ser de caráter sexual ao meu corpo e passam a ser de estranhamento, como se estivessem tentando entender o que é “aquilo”. Sim, aquilo. Aquilo que tem cabelo curto, mas um rosto delicado. Usa roupas da sessão masculina, mas tem seios.

Ao longo do tempo, comecei a me munir de comportamentos que cortavam esse olhar sobre mim. Ás vezes vou cumprimentar um desconhecido com um beijo, ele me afasta para dar um aperto de mão. No entanto, ao notar que sou uma mulher, aceita o beijo na bochecha. É nesse tipo de situação que me sinto exposta. Não é possível contar as vezes nas quais fui abordada ao entrar no banheiro feminino. Hoje em dia é automático para mim adentrar o banheiro mexendo no sutiã, para que notem que eu sou uma mulher e não me causem constrangimentos me parando na porta. O mesmo acontece quando vou a alguma festa ou balada e tenho que ser revistada. É triste que esses mecanismos tenham se tornado rotina, pois evidencia a diferença de tratamento entre homens e mulheres na sociedade.

Outra situação que me vem à cabeça carregada de memórias ruins ocorreu no ano em que me formei no ensino médio. Com a chegada do final de ano chegava também a colação, celebração na qual receberíamos nossos diplomas. Lembro do dia em que o diretor do colégio entrou na sala e nos deu as orientações que deveriam ser seguidas no fatídico dia. “Meninos de terno, ou calça e camisa social e meninas de vestido”. Lembro que já me subiu uma sensação estranha, de não pertencimento, afinal, e agora? Eu não queria usar vestido, não combinava com o meu estilo, mas apenas os meninos eram recomendados a usar calça e camisa social.

O que pensariam se eu me vestisse assim? E pior, me deixariam participar da celebração? Foram esses os pensamentos que sobrevoaram minha cabeça na hora, afinal o diretor havia feito essa afirmação com muita ênfase. Minha mãe chegou a ligar no colégio para checar essa informação, e ver se não era possível que eu me vestisse da forma que me sentia confortável. Negado. Muitas das minhas amigas se sentiram incomodadas com a afirmação excludente do diretor, e nossa única escolha foi ir à colação como espectadoras, apenas subindo ao palco para a foto geral com nossos colegas de sala. Foi triste não ter vivido efetivamente um momento tão importante na minha vida, mas talvez participar de uma cerimônia tão segregacionista não era para mim, porque no fim das contas eu não estava alinhada com nenhum daqueles ideais.

É extremamente raro que eu seja assediada na rua, porque as roupas que eu visto servem de armadura contra os assediadores, afinal número de homens que são assediados não se compara ao número de mulheres que são diariamente constrangidas diante dessa situação. A questão da passabilidade me causa segurança e constrangimento ao mesmo tempo. As chances de eu ser assediada por ser mulher são menores quando constato o fato de que sou vista como um menino. Outra situação que acontece é quando me interpretam como um homem gay, isso porque tenho a voz mais feminina e um jeito mais carinhoso de me portar. No entanto, isso somado à minha aparência resulta numa leitura pautada em estereótipos, e essa cultura de colocar as pessoas em pequenas caixas que definem seu comportamento ou fenótipo tem que acabar.

 

 

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